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O que está acontecendo na Argentina é a luta de classes em estado puro e alta intensidade. De um lado, o governo mais burguês da América do Sul em décadas. Do outro, a classe trabalhadora mais bem organizada e mobilizada da região.
Javier Milei já começou com o pé na porta, querendo impor uma lei “omnibus”, com 664 artigos, mudando a estrutura econômica do país. Não é lei “ônibus”, como parte da imprensa diz. É “ominibus”, do latim “Omni”, que quer dizer “tudo” e “para todos”. Na tradição cristã, por exemplo, Deus é “omnisciente” “omnipresente” e “omnipotente”. Essa medida foi respondida no dia 24 de janeiro com uma “omnigreve” dos trabalhadores que parou a Argentina. A batalha de fato é de proporções bíblicas. E seu resultado vai ser decisivo para toda a América Latina nos próximos anos.
Milei quer ser modelo de “libertarianismo”
Temos que entender quem é Javier Milei. Ele não é louco. Repetir essa teoria é um meio de subestimar o inimigo e reproduzir capacitismo. O aparelho mental do presidente da Argentina está em perfeito estado. Ele pode até ter suas excentricidades, mas aplica uma estratégia que está em sintonia com o que deseja os mais ricos em escala mundial.
A prova disso é que Milei foi aplaudido no Fórum Econômico de Davos, que reúne os empresários mais ricos do mundo. Ele foi elogiado de forma apaixonada por Elon Musk. Os bilionários sabem que o que for feito na Argentina pode virar exemplo para o resto do mundo. Na década de 70, o Chile foi laboratório do neoliberalismo, que depois foi aplicado em outros países para a retirada de direitos dos trabalhadores. Por isso a burguesia mundial deu suporte à ditadura de Pinochet.
O “libertarianismo” de Milei é um nome novo para um programa antigo. É a liberdade para os mais ricos explorarem os trabalhadores sem nenhuma regulação ou direito. Aos que não têm capital, restaria a “liberdade” de escolher entre a fome e o trabalho precário. Os grandes capitalistas procuram um novo modelo para garantir seus lucros e a Argentina hoje é usada como teste. O atual presidente do país vizinho tem mais apoio da burguesia internacional que Jair Bolsonaro teve em seu governo. O ex-presidente do Brasil não fez grandes “entregas” para os bilionários por ser incompetente e por ter como prioridade dar um golpe de estado. Já o presidente argentino entende melhor de economia e é focado no que é de interesse dos “patrocinadores”.
O que acontecer com nossos vizinhos pode ser um ponto de virada em toda a América Latina, seja de um lado, seja do outro. Hoje existe uma disputa política acirrada na região, sem ganhador definido. A esquerda venceu eleições no Brasil, na Bolívia, no Chile e na Colômbia, mas em todos esses países a extrema-direita ainda é um risco. Governos de direita foram eleitos no Equador e em El Salvador. Nesse último país, Nayib Bukele implantou uma ditadura bizarra, que colocou uma parte inteira da população na cadeia. Na Guatemala, a coalizão de esquerda recém-eleita está sofrendo fortes ataques golpistas. No Peru, a direita conseguiu dar um golpe e reprime os movimentos socias. No México, os cartéis do tráfico tomaram o país, ameaçando inclusive a histórica resistência zapatista.
Não há vitória nem derrota garantida
E como está a disputa na Argentina até agora? Seguem os atos contra a lei “omnibus”, que deve ser aprovada no Congresso. No entanto, Milei teve que abrir mão de quase metade dos 664 artigos da lei, sobrando 380. O presidente desistiu de privatizar a YPF, estatal do petróleo. Também não vai mais mudar a fórmula do reajuste das aposentadorias nem ampliar o imposto de renda.
De acordo com o economista liberal Guido Bambini, “Até agora há uma clara derrota do governo”. Um mês depois de sua posse, Milei já era reprovado por cerca de 55% da população. E a situação pode piorar. Nem os mais otimistas preveem o fim da inflação nas próximas semanas. O próprio presidente reconhece que o povo terá que fazer sacrifícios. Algumas famílias estão vivendo à base de sopa e macarrão.
Isso quer dizer que Milei vai cair? Foi aberta uma avenida para que as organizações da classe trabalhadora liderem uma revolta contra o governo? A Argentina vai sepultar a direita de vez? Não podemos tirar conclusões precipitadas.
A mobilização obrigou Milei a recuar. Mas é fato que ele deve conseguir retirar direitos, privatizar empresas e desregular a economia. Mesmo com tudo o que faz, o presidente ainda tem o apoio de mais de um terço dos argentinos. Um país que parecia ser um santuário de ideias à esquerda hoje tem uma forte base de apoio à direita mais privatista do mundo.
Nossos irmãos argentinos nos ensinam uma importante lição
Na luta de classes não há garantias nem certezas. E é exatamente por isso que os trabalhadores lutam. A única forma de nossa classe impedir derrotas e conquistar vitórias e confiando em suas próprias forças. Os argentinos não vão para as ruas porque são um povo politizado e querem ir para a ofensiva. Eles vão para as ruas porque não têm outra escolha.
Nossos vizinhos sabem que não dá para confiar apenas na luta institucional. Javier Milei tem minoria no Congresso. Mas se não houvesse pressão a partir das ruas, a “oposição dialoguista” iria votar a favor de todos os 664 artigos da lei “omnibus”, sem a necessidade de mudanças. Seria uma derrota completa ficar em casa esperando os parlamentares decidiram o futuro do país.
A maior força de oposição ao atual governo é o Peronismo. Para parte dos peronistas, o ideal seria esperar as próximas eleições, inclusive eles já têm uma candidatura preparada. Mas a classe trabalhadora organizada preferiu ir às ruas, e estava certa.
A solução para a luta contra a direita não é abrirmos mão de nossas reivindicações. Se o inimigo levanta alto suas bandeiras, temos que levantar as nossas mais alto ainda. Se eles mobilizam a base social deles, devemos mobilizar a nossa. Caso contrário, eles ganham de lavada.
Podemos discutir a intensidade de nossa marcha, mas não a direção. Como disse o líder antirracista Martin Luther King: “Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito”. Avanços e recuos táticos devem ser discutidos com ponderação. Mas a estratégia histórica de nossa classe é sempre a ofensiva.
Também podemos usar a sabedoria do interior de Minas Gerais com a frase “Vaca não dá leite”. Sim, o bovino não vai facilitar a nossa vida, alguém tem que ir lá tirar o leite. O tamanho de nossa vitória vai ser sempre do tamanho de nossa luta, nem mais, nem menos. É assim na Argentina, no Brasil ou em qualquer outro país.