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ELZA NÃO COMBINOU COM OS RUSSOS - CL Web Rádio

ELZA NÃO COMBINOU COM OS RUSSOS

Wendell Setubal*

Copa do Mundo de 1958, Suécia: o Brasil ganhou sem convencer o primeiro jogo e empatou o segundo. Se perdesse da Rússia, que chegou com fama de favorita, voltaria para casa.

Didi junta alguns jogadores e vai procurar o técnico, Vicente Feola: “Professor, Garrincha e Pelé têm que jogar contra a Rússia, senão a gente não ganha.” Feola concordou. No vestiário, diz pra Garrincha: “Você faz isso, faz aquilo”, sugere várias jogadas. Garrincha concorda, mas pergunta: “O senhor já combinou com os russos?” Todos riem porque na sua simplicidade ele via o que o erudito Feola não enxergava. Você joga CONTRA o Outro, que também tem suas jogadas, seu estilo.

Mas não é do Garrincha que eu quero falar.

Quero falar de Elza Soares, que sempre se recusou a combinar com os russos. Eu tinha uns 12 anos, Elza e Garrincha foram morar juntos e a mídia, a classe média, setores populares massacraram Elza Soares, que “roubou o marido de dona Nair”. O marido de dona Nair era Garrincha, tiveram acho que sete filhas. Elza era a piranha, a puta. Algum tempo depois, Garrincha disse que chegava tarde em Raiz da Serra, depois de treinar o dia inteiro em Botafogo, e tinha que fazer comida porque a mulher não deixou nada pronto para a janta. (Sim, era machista, nunca foi perfeito.)

Apesar do moralismo que desabou sobre o casal, o casamento durou quase 20 anos. Garrincha assinava contratos em branco; quando chegou a velhice, que no futebol da época significava trinta e poucos anos, cheio de injeções no joelho para jogar de “qualquer maneira”, começou a beber e não parou mais.

Cansada das agressões físicas de Garrincha, Elza rompeu o casamento e desfecharam nova campanha: “Ela abandonou Garrincha.” Tal como o personagem machadiano, preso por ter cão, preso por não ter cão. Ela persistiu, namorou homens mais novos (“que sem-vergonha!”), e em 2019 lançou Deus é mulher, uma guinada para outros gêneros, letras antirracistas, uma Elza de esquerda.

Quanto aos pseudomoralistas da época, hoje seriam bolsonaristas, com certeza.

Elza faleceu hoje (20/01). Se eu fosse religioso, diria que foi pro céu. Já não diria o mesmo de seus detratores.

*Wendell Setubal e Cecília Setubal apresentam o programa Diversidade, na Web Rádio Censura Livre. Publicado originalmente na página Fato e Ideias no Facebook.

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