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Bolsonaro provavelmente não será preso nos próximos dias. E isso não é só porque ele conseguiu mobilizar quase 200 mil pessoas em fevereiro. O problema é que a esquerda hoje é incapaz de fazer algo parecido.
No campo parlamentar, a esquerda vai até bem. Os mandatos têm tido boas iniciativas, em geral têm um bom trabalho de comunicação e algumas figuras públicas se destacam, como Érika Hilton. São mandatos protagonizados por jovens, negros, mulheres, pessoas LGBTQIA+ e gente que vem da periferia. Isso é uma boa notícia e a atuação desses vereadores e deputados ajuda no avanço da luta dos trabalhadores.
Mas a verdadeira política está além da disputa eleitoral. Está na disputa de narrativas, na disputa de valores da sociedade, no engajamento por uma causa. Engajamento, inclusive, é essencial nas redes sociais.
Ganhar corações e mentes para um projeto de sociedade e engajar as pessoas em torno desse projeto não é coisa apenas de revolucionários comunistas. Na verdade, a direita hoje entende disso muito bem. Nos últimos 10 anos, eles não têm saído das ruas. Estão sempre nos seus atos, se mobilizando, ganhando mídia, fortalecendo vínculos e subindo o moral da militância.
E a esquerda? Se hoje a direita é militante, os dirigentes da esquerda, em sua maioria, apostam na institucionalidade. Por isso perdemos grandes oportunidades em 2023. Quando teve a tentativa de golpe do 8 de janeiro, tivemos uma oportunidade única de impor uma derrota histórica ao bolsonarismo. Para isso, seria necessário mobilizar dezenas de milhares nas ruas. Mas muitos quiseram esperar o Poder Judiciário fazer a sua parte.
Não precisa ser um revolucionário comunista para saber que o Judiciário só age em favor da classe trabalhadora se houver pressão popular. Ou o Lula foi libertado por causa das brilhantes teses de defesa de Cristiano Zanin? Se dependesse apenas da “neutralidade da Justiça”, Lula estaria na cadeia até hoje.
Tem gente na esquerda que é contra a realização de atos pela prisão de Bolsonaro porque isso seria interferir no Poder Judiciário. Então foi errado ter atos pela investigação do assassinato de Marielle Franco? Isso seria interferir no trabalho policial?
Não aprendemos a lição de estratégia do boxeador Acelino Freitas, o Popó. Ao ver a oportunidade de derrubar o adversário no primeiro round, ele não vacila em golpear com força máxima. Especialmente quando o adversário está na lona. É esse o momento de ir para cima. Não nocauteamos o bolsonarismo quando ele estava na lona. Ainda vamos pagar muito caro por esse erro.
Mas o problema é maior que erro de estratégia. Não foi só durante a reação ao golpe que perdemos uma oportunidade. Quando o Congresso Nacional discutiu a Reforma Tributária, também erramos. E essa não foi qualquer reforma, ela definiu como o Estado vai arrecadar impostos pelos próximos 50 anos.
A nossa Constituição prevê o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), que poderia ser um instrumento valioso de distribuição de renda. A esquerda poderia fazer uma campanha para que o IGF fosse incluído na reforma. Mas não houve essa iniciativa. Algumas dezenas de estudantes nas ruas das capitais e um “tuitaço” já seria alguma coisa. Mas perdemos a chance de pautar esse debate. Não vamos ter outra oportunidade igual nas próximas décadas.
Outra grande oportunidade perdida foi a luta dos entregadores de aplicativos pela regulamentação da profissão. Em setembro do ano passado, eles organizaram um “breque”. As direções das maiores organizações de esquerda não deram o apoio necessário. A categoria dos entregadores não é apenas numerosa. É um setor que carece de direitos, tem potencial de mobilização e representa o futuro da exploração do trabalho. Hoje o bolsonarismo tem grandes chances de hegemonizar os entregadores, especialmente depois de um projeto ruim que o governo apresentou sobre a regulamentação do trabalho em aplicativos.
Não existe vácuo na política. Se a esquerda não vai às ruas pela prisão de Bolsonaro, não apoia a luta dos entregadores e não se engaja pela taxação das grandes fortunas, o espaço político vai ser ocupado pela direita. O bolsonarismo ficou um ano quase paralisado, se defendendo da acusação de golpe. Alguns perfis deles nas redes sociais ficaram um bom tempo sem postar nada. Isso mudou. Agora eles têm pauta, organização, engajamento e estão com o moral elevado.
Nosso inimigo saiu da lona e está preparado para nos nocautear no próximo round. Bolsonaro segue viajando pelo interior do Brasil e aglutinando pequenas multidões. Nikolas Ferreira vai fazer muito barulho na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. A classe média fascistóide fez atos em defesa da violência policial em Santos, no litoral paulista. Vamos ver o bolsonarismo mais ativo nas próximas semanas.
Estamos muito longe de uma revolução socialista. Também estamos longe de mobilizar milhões nas ruas. Mas isso não é motivo para a nossa falta de ação. Se não houver uma mudança de atitude, estaremos asfaltando a estrada para a volta da direita ao Poder em 2026. E não vai adiantar mobilizar a militância desesperadamente alguns dias antes das eleições. Ainda estamos em tempo de evitar o pior.