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Por Almir Cezar Filho*
Fotos: Reproduções
Em meio aos debates teológicos e sociais que moldam a complexa tapeçaria da contemporaneidade, emerge uma doutrina que captura corações e mentes, mas que permanece à margem das correntes cristãs predominantes. A tese do arrebatamento, com sua promessa de salvação celestial para alguns e a atribuição da ira divina a outros, reflete não apenas uma interpretação teológica controversa, mas também uma resposta aprofundada às ansiedades e recalques de um mundo em transformação. Neste artigo, exploraremos as origens, o perfil dos crentes e as implicações sociais dessa doutrina, questionando sua legitimidade teológica e examinando como ela se tornou um eco do ressentimento e um instrumento de manipulação nas mãos de líderes ultraconservadores.
No âmbito teológico, a doutrina do arrebatamento, com suas raízes profundas nas interpretações bíblicas, tem sido tema de inúmeros debates e reflexões ao longo dos séculos. Contudo, é notável que essa tese não encontre acolhida unânime entre as grandes correntes cristãs, suscitando questionamentos acerca de sua legitimidade e das implicações que carrega para a sociedade contemporânea.
Carnaval de Salvador: Ivete Sangalo desafia o apocalipse em diálogo com Baby do Brasil
Durante o carnaval de Salvador, um diálogo inusitado entre Ivete Sangalo e Baby do Brasil agitou as redes sociais. Baby, em participação especial, alertou Ivete sobre a proximidade do apocalipse, sugerindo que o arrebatamento poderia ocorrer nos próximos cinco a dez anos. Ivete, em resposta, desafiou a ideia, declarando que não permitiria que o apocalipse acontecesse, pois “não tem apocalipse certo quando a gente maceta o apocalipse”.
A cantora enfatizou a força de Deus sobre qualquer evento apocalíptico. O diálogo inusitado ocorreu durante o desfile do bloco Coruja, onde Ivete também enfrentou atrasos e, posteriormente, agradeceu aos fãs pela paciência.
Arrebatamento teológico: entre bases bíblicas e incoerências com a mensagem de Jesus
A teologia do arrebatamento, fundamentada em interpretações específicas das escrituras sagradas, tem sua base principal em passagens bíblicas como 1 Tessalonicenses 4:16-17 e 1 Coríntios 15:51-52, entre outras. A conexão íntima com o dispensacionalismo, uma interpretação escatológica que divide a história em distintas “dispensações” de Deus, reforça a ideia do arrebatamento como um evento separado e iminente. Contudo, é essencial observar que essa teologia encontra resistência substancial nas doutrinas das igrejas cristãs mais tradicionais, como os católicos, Igrejas Ortodoxas e algumas denominações protestantes. A falta de apoio em correntes teológicas mais amplas destaca a singularidade e, em alguns casos, a divergência do arrebatamento em relação às crenças cristãs mais estabelecidas.
A incoerência com a mensagem e vida de Jesus também se faz notar ao examinarmos as ênfases do arrebatamento. Jesus, em sua vida e ensinamentos, focou na ética do amor, compaixão e justiça social. A ideia de um arrebatamento que deixa para trás aqueles que não compartilham de uma determinada visão escatológica contrasta diretamente com esses princípios. A centralidade do arrebatamento na teologia muitas vezes desvia o foco do imperativo ético presente nas palavras e ações de Jesus, criando uma narrativa que pode ser percebida como contraditória em relação à essência do cristianismo.
Contexto: perfil dos crentes e a busca por conforto
Aqueles que se alinham a essa doutrina frequentemente refletem uma mentalidade conservadora. Em um cenário onde percebem a perda de valores tradicionais, esses crentes buscam refúgio em uma narrativa apocalíptica que sugere a iminência de um “arrebatamento”. É uma resposta às transformações sociais, culturais e econômicas que desafiam suas convicções mais profundas.
O contingente de adeptos, muitas vezes, anseia por uma sensação de estabilidade diante de um mundo em constante mutação. A incerteza sobre os rumos da sociedade moderna, marcada por debates sobre identidade, direitos civis e novos paradigmas familiares, impulsiona esses indivíduos a abraçar uma visão apocalíptica, oferecendo uma suposta certeza em tempos tumultuados.
No entanto, essa busca por conforto revela-se como um sinal de descontentamento e ansiedade diante das mudanças que desafiam seus valores mais arraigados. É nesse contexto que a tese do arrebatamento se enraíza, alimentando-se do temor do desconhecido e da necessidade humana de encontrar significado em meio à complexidade do mundo moderno.
Recalque e ressentimento na era do fracasso global
A crescente adesão à doutrina do arrebatamento não é desvinculada do contexto mais amplo de um mundo que experimentou as promessas malsucedidas da globalização e do neoliberalismo. Nesse cenário, a tese apocalíptica serve como um eco do recalque e do ressentimento que permeiam as mentes daqueles que se sentem à margem dos benefícios dessa ordem global.
A ascensão da globalização e do neoliberalismo prometia um mundo interconectado, com prosperidade compartilhada e oportunidades iguais para todos. No entanto, a realidade desafiou essas expectativas, deixando vastos setores da população à mercê de desigualdades crescentes, desemprego e a erosão de valores tradicionais.
O recalque emerge como uma resposta psicológica à frustração de aspirações não realizadas. Aqueles que aderem à doutrina do arrebatamento encontram, nesse contexto de fracasso global, um refúgio para suas ansiedades. A percepção de perda em relação a tradições e valores conservadores, que parecem eclipsados pela onda de mudanças sociais e culturais, impulsiona a busca por uma explicação simplificada e apocalíptica.
O ressentimento, por sua vez, brota da sensação de exclusão e marginalização em um mundo que não corresponde às expectativas previamente alimentadas. Os adeptos do arrebatamento encontram no ressentimento um terreno fértil para cultivar a narrativa de que são os “escolhidos”, em contraposição aos não arrebatados que, supostamente, enfrentarão a ira divina.
A doutrina do arrebatamento, assim, não apenas fornece um escapismo teológico, mas também se torna um veículo para canalizar o recalque e o ressentimento gerados pelo fracasso das promessas da globalização e do neoliberalismo. Ela surge como uma resposta apocalíptica a um mundo que, aos olhos desses crentes, parece ter perdido o rumo, oferecendo uma explicação que transcende a complexidade dos problemas globais.
Exploração por líderes ultraconservadores: a aliança perversa
A doutrina do arrebatamento, longe de ser apenas uma manifestação teológica, tornou-se uma ferramenta estratégica nas mãos de líderes ultraconservadores, sejam eles líderes religiosos ou figuras políticas. Conscientemente, esses indivíduos têm explorado as crenças associadas ao arrebatamento para consolidar e expandir seu poder, criando assim uma aliança perversa que transcende os limites da esfera religiosa.
A narrativa apocalíptica tornou-se um instrumento eficaz de controle e manipulação, especialmente em períodos de incerteza e mudanças. Os líderes ultraconservadores, reconhecendo o poder da fé e a necessidade humana de respostas diante de crises, habilmente direcionam essas crenças para fortalecer sua posição e influência.
A estratégia é clara: ao promover a doutrina do arrebatamento, esses líderes fomentam a divisão entre “nós” e “eles”. A crença de serem os “escolhidos” cria uma base sólida de apoio entre os seguidores, consolidando uma identidade coletiva em oposição aos “não arrebatados”. Essa dicotomia simplificada serve como um terreno fértil para a promoção de agendas ultraconservadoras.
Ao estimular a percepção de uma batalha espiritual iminente entre o bem e o mal, esses líderes buscam justificar políticas e decisões que, de outra forma, poderiam encontrar resistência. A exploração consciente dessas crenças contribui para a criação de uma narrativa polarizadora que serve como cola social, mantendo os seguidores alinhados e mobilizados em torno de uma visão específica do mundo.
A aliança perversa entre líderes ultraconservadores e a doutrina do arrebatamento não é apenas uma estratégia de manipulação, mas também uma ameaça à coesão social e ao diálogo construtivo. O uso calculado da narrativa apocalíptica visa não apenas consolidar poder, mas também moldar a percepção pública e influenciar os rumos da sociedade, perpetuando agendas que, muitas vezes, se distanciam de princípios democráticos e inclusivos.
Oportunismo e infiltração na sociedade: a estratégia planejada
A disseminação da doutrina do arrebatamento, longe de ser um fenômeno casual, revela-se como uma estratégia planejada que transcende os limites do ambiente eclesiástico. A infiltração sistemática dessa crença nas igrejas, nas artes e na cultura é cuidadosamente orquestrada para atender aos interesses de dois grupos aparentemente díspares: grandes empresários ultraliberais e políticos ultraconservadores.
Essa estratégia enraíza-se no oportunismo de líderes que compreenderam o potencial de influência que a doutrina do arrebatamento pode exercer sobre as massas. Grandes empresários ultraliberais, ávidos por manter o status quo econômico favorável às elites, encontraram na promoção desta narrativa apocalíptica uma maneira de desviar a atenção do público dos desafios sistêmicos do capitalismo.
A colaboração entre empresários ultraliberais e políticos ultraconservadores revela-se como uma aliança de conveniência, na qual ambas as partes buscam minar os avanços civilizatórios conquistados ao longo do século XX. A doutrina do arrebatamento, ao enfocar uma visão de mundo dualista e distópica, serve como uma cortina de fumaça para encobrir agendas que poderiam ser contestadas em uma sociedade mais crítica e informada.
A infiltração nos ambientes culturais e artísticos é especialmente insidiosa, visando moldar a percepção coletiva e normalizar a aceitação da doutrina apocalíptica. A presença dessa crença nos discursos e representações artísticas contribui para uma cosmovisão que legitima a desigualdade, a exclusão e a intolerância, perpetuando uma visão conservadora que, muitas vezes, se choca com valores progressistas e inclusivos.
Em última análise, essa estratégia planejada de disseminação da doutrina do arrebatamento serve como um mecanismo de controle social e político, consolidando o poder de determinados grupos enquanto obscurece a visão crítica da sociedade em relação aos desafios reais que enfrenta. Confrontar essa infiltração exige uma análise cuidadosa das motivações por trás dessa estratégia e um esforço coletivo para desvelar a verdade por trás da cortina apocalíptica que obscurece os reais interesses em jogo.
Crença no apocalipse como sintoma do capitalismo moribundo
À medida que o século avança, torna-se cada vez mais evidente que a crença na doutrina do arrebatamento não é apenas uma questão teológica, mas sim um sintoma palpável do desespero que se instala diante das crises que assolam o sistema capitalista. Os crentes, envoltos por uma atmosfera de incertezas e eventos alarmantes, veem no apocalipse uma narrativa reconfortante que oferece sentido a um mundo em transformação e aponta para o declínio do capitalismo.
O capitalismo, outrora apresentado como um sistema capaz de proporcionar prosperidade a todos, hoje enfrenta desafios que questionam sua viabilidade a longo prazo. O aquecimento global, uma ameaça iminente e evidente, é apenas um dos sintomas de um sistema que explorou desenfreadamente os recursos do planeta em busca do crescimento econômico. Essa crise ambiental contribui para a sensação de que o sistema econômico está à beira do colapso, alimentando a necessidade de uma explicação transcendental para os eventos catastróficos que se desenrolam.
O colapso das democracias, caracterizado pelo aumento da polarização política e pela ascensão de líderes autocráticos, é outro elemento que contribui para o desencanto com o sistema capitalista. A crença no arrebatamento oferece uma narrativa que transcende a política terrena, proporcionando um consolo em meio à desilusão com as instituições democráticas que não conseguem atender às expectativas de justiça e igualdade.
A desigualdade crescente, que se manifesta de maneira aguda em diversas sociedades, mina a confiança nas promessas de um capitalismo inclusivo. À medida que as lacunas sociais se ampliam, a doutrina do arrebatamento fornece uma visão dualista do mundo, dividindo os crentes entre os “salvos” e os “condenados”, oferecendo uma ilusória sensação de segurança em meio à turbulência social.
O aumento da ansiedade, associado a questões como o desemprego em massa e as incertezas econômicas, também impulsiona a busca por respostas reconfortantes. A crença no arrebatamento atua como uma tábua de salvação, proporcionando uma explicação simplificada e transcendental para as aflições do presente, ao invés de uma análise crítica das estruturas sociais e econômicas que contribuem para essas crises.
Em resumo, a crença no arrebatamento emerge como um sintoma do desespero frente a um sistema capitalista que enfrenta crises sistêmicas. Essa narrativa apocalíptica oferece uma ilusória sensação de controle em meio à instabilidade, servindo como um refúgio para aqueles que veem no colapso do capitalismo não apenas uma crise econômica, mas também uma crise de significado e esperança.
Desconstrução sem violência: elevando o espírito humano
Ao enfrentar a disseminação da doutrina do arrebatamento, é imperativo adotar uma abordagem de desconstrução que respeite a liberdade religiosa e de expressão, especialmente ao se dirigir à classe trabalhadora e aos setores populares que muitas vezes são alvo dessa narrativa apocalíptica. A desconstrução, nesse contexto, deve ser uma jornada que visa iluminar alternativas e elevar o espírito humano, usando a ciência, a arte e a cultura como ferramentas poderosas.
Em primeiro lugar, é crucial compreender que a desconstrução não deve ser um ato de confronto direto, mas sim um convite à reflexão e ao questionamento. Apelar para o pensamento crítico é fundamental para abrir espaço à diversidade de ideias e crenças, sem menosprezar ou ridicularizar aqueles que abraçam a doutrina do arrebatamento.
A ciência, com sua busca pela verdade baseada em evidências, pode ser uma aliada poderosa nesse processo. Explorar as descobertas científicas, especialmente aquelas relacionadas ao clima, à evolução e à história do universo, oferece uma perspectiva fundamentada que contrasta com a simplicidade da narrativa apocalíptica. Educação e divulgação científica são armas eficazes na desconstrução de mitos e superstições.
A arte e a cultura desempenham papéis cruciais na elevação do espírito humano. Ao invés de oferecer uma visão pessimista do futuro, artistas e criadores podem inspirar esperança, imaginação e empatia. Narrativas que celebram a diversidade, promovem o diálogo intercultural e exploram soluções para desafios globais podem ser antídotos eficazes contra a apatia alimentada pela doutrina do arrebatamento.
No entanto, a desconstrução não deve parar na esfera intelectual e espiritual. É igualmente importante apresentar alternativas tangíveis no plano material. Organização e mobilização social são chaves para mudanças progressivas e construção de um mundo mais justo e equitativo. Ao invés de aguardar um arrebatamento celestial, a ação coletiva pode oferecer melhorias tangíveis nas condições de vida aqui e agora.
Em última análise, a desconstrução sem violência da doutrina do arrebatamento é uma jornada que envolve a promoção da reflexão, a celebração da diversidade de ideias e a apresentação de alternativas reais e alcançáveis. Elevando o espírito humano através da ciência, da arte, da cultura e da ação coletiva, podemos construir um futuro onde a esperança prevaleça sobre o medo, e onde a humanidade abrace a responsabilidade de forjar seu próprio destino.
Socialismo científico como alternativa pós-revolução
No desfecho deste diálogo crítico sobre a doutrina do arrebatamento, é imperativo destacar o socialismo científico como uma alternativa sólida à sociedade que atualmente agoniza sob as contradições do capitalismo. Ao invés de adotar uma visão apocalíptica que promete redenção em um mundo transcendental, o socialismo científico oferece uma proposta concreta para a transformação social e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
O socialismo científico, fundamentado nos princípios de igualdade, democracia e humanismo, surge como uma resposta pragmática aos desafios sistêmicos que afligem a sociedade capitalista. Em contraposição à divisão dualista entre “escolhidos” e “condenados”, o socialismo científico preconiza uma abordagem colaborativa e solidária para lidar com as complexidades da condição humana.
Ao construir uma sociedade baseada em princípios igualitários, o socialismo científico busca eliminar as disparidades econômicas e sociais que perpetuam a desigualdade. Propõe um sistema onde os meios de produção são controlados democraticamente pela comunidade, garantindo que os frutos do trabalho coletivo sejam distribuídos equitativamente.
A democracia, no contexto do socialismo científico, não é apenas um procedimento político, mas uma filosofia que permeia todas as esferas da vida. A participação ativa dos cidadãos na tomada de decisões, a garantia dos direitos civis e o respeito à diversidade são pilares fundamentais desse modelo de sociedade, distanciando-se da visão apocalíptica que promove a exclusão e a divisão.
A celebração da diversidade no socialismo científico vai além de meras diferenças teológicas. Reconhece a riqueza que a pluralidade de culturas, perspectivas e identidades pode oferecer à construção de uma sociedade mais enriquecedora e dinâmica. Ao invés de temer a diversidade, o socialismo científico a abraça como uma força propulsora da evolução social.
No coração do socialismo científico está a elevação do espírito humano através do conhecimento, da educação e do progresso coletivo. Em vez de depender de promessas apocalípticas, essa abordagem investe na capacidade intrínseca da humanidade para moldar seu próprio destino. A busca pelo avanço científico e tecnológico não é vista como uma ameaça, mas como uma oportunidade para melhorar a qualidade de vida de todos.
Em resumo, o socialismo científico oferece uma visão alternativa à sociedade capitalista moribunda, ancorada em valores de igualdade, democracia e humanismo. Em vez de se refugiar em predições apocalípticas, podemos, coletivamente, construir um futuro onde a diversidade é celebrada e o espírito humano é verdadeiramente elevado pela colaboração e solidariedade. Essa visão não é apenas uma utopia, mas uma possibilidade palpável que requer a união de esforços para forjar uma sociedade mais justa e sustentável.
*Almir Cezar Filho – Economista, colunista da Rádio Censura Livre e apresentador do programa Economia É Fácil [na RCL] e editor da ANotA – Agência de Notícias Alternativas. Texto para a Agência de Notícias Alternativas (ANOTA).