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Palácio São Domingos – Rua Marechal Deodoro/
Imagens: Reproduções/
Por Almir Cezar Filho/
Com a recente reinauguração do Mercado Municipal de Niterói, fechado há mais de 40 anos e por décadas subutilizado em outros fins muito menos nobres, abre-se a possibilidade de discutir a requalificação de grandiosos edifícios públicos há muito fechados e passando inclusive por processo de deterioração.
Soa estranho isto acontecer, justamente em um município que gasta fortunas com aluguéis de imóveis para suas repartições, ambiciona tornar-se destaque nacional com turismo e indústria cultural e durante anos ter gasto milhões levantando prédios novos para complexo cultural do Caminho Niemeyer, abandonando prédios históricos.
Os prédios institucionais fechados, se devidamente recuperados, mesmo há novos fins institucionais ou culturais/entretenimento, poderiam contribuir para a retomada econômica da cidade, especialmente após muitos meses de pandemia de covid-19, que obrigou a economia passar por recorrentes suspensões das atividades não essenciais.
No presente artigo, listam-se cinco edifícios de Niterói com alto teor histórico e relevância artística/cultural/arquitetônica atualmente fechados e muito (muito!) abandonados e sem projeto nenhum em vista (ao menos por hora).
São eles: (1) o Palácio São Domingos, (2) a Estação Ferroviária Presidente Dutra, (3) Estação Ferroviária Santana do Maruí, (4) Ex-Instituto Fluminense de Fomento Agrícola e (5) Casa de Norival de Freitas.
A DECADÊNCIA DE NITERÓI E A DEGRADAÇÃO DOS SEUS GRANDES EDIFÍCIOS
Antes de falar dos edifícios, é importante traçar o processo geral que os levou a essa situação. Sua decadência e abandono não são casos isolados ou obra do acaso, mas resultado do mesmo processo que assolou a cidade de Niterói.
A cidade de Niterói, por décadas, passou por um processo de decadência e esvaziamento e perda da autoestima de seus cidadãos.
A economia niteroiense era na década de 1950 uma das mais importantes do país. Além de capital estadual, era um importante polo nacional da indústria naval, de pescado e têxtil. Seu porto, além de base para indústria naval, recebia importações e exportava a produção fluminense agropecuária.
Sinais deste passado podem ser vistos nas grandes construções de perfil fabril e em centenas de bairros com feição operária concentrados na zona norte de Niterói e se estendendo para vários bairros da cidade vizinha de São Gonçalo.
Niterói, até o fim da década de 1960, estava entre as 10 maiores cidades do Brasil, segundo o censo. Contudo, no início desta década, inicia-se um processo de esvaziamento econômico. O movimento portuário de Niterói, por exemplo, diminuiu em 50% no período de 1964-1967, em grande parte em decorrência da decadência da economia cafeeira do Norte Fluminense e, por sua vez, setor têxtil, tradicional na economia fluminense, também foi perdendo a competitividade desde então.
Também contribuiu à decadência econômica a transferência da capital do antigo Estado do Rio de Janeiro de Niterói para a Cidade do Rio de Janeiro, com a fusão com o Estado da Guanabara em 1975, com a consequente mudança das repartições públicas e estatais estaduais e de escritórios de empresas privadas. E ainda a construção da Ponte Rio-Niterói, inaugurada um ano antes, em 1974, contribuiu para agravar a situação, à medida que fez a região da Grande Niterói e o interior do estado passarem a gravitar mais forte e diretamente entorno da cidade do Rio de Janeiro – que, por sua vez, também passava por um esvaziamento econômico no mesmo período.
A consequência foi um claro processo de degradação urbana dos bairros industriais e do entorno do porto de Niterói com a deterioração e subutilização de muitos imóveis, que contribuiu para rebaixar a atratividade desses locais e negócios. Edifícios institucionais privados acabaram vendidos à especulação imobiliária, cujas sede das empresas e órgãos acabaram transferidos para a cidade do Rio ou para outros estados. Já os equivalentes públicos, secretarias de estado, sede de estatais ou autarquias, após algum tempo, paulatinamente, mesmo com promessas em contrárias, por serem substituídas por repartições de menor importância ou acabaram fechadas.
Os lançamentos de empreendimentos de comércio e serviços concentrados nos bairros da Zona Sul e Região Oceânica (bairros cuja orla é fora da Baía de Guanabara), como o próprio novo perfil residencial desses bairros, levou ao colapso do comércio de rua tradicional, mais concentrado no Centro da cidade, reforçando a degradação dessa área. E com autorização da Prefeitura, construíram-se três shoppings centers nesse bairro, que ajudaram a sufocar ainda mais o comércio de rua.
E, por sua vez, esse bairro, que tem um perfil menos propício ao perfil imobiliário de “cidade dormitório de alta renda”, não se beneficiou da expansão imobiliária imediata, e assim, também recebeu menos investimentos públicos, embora ainda recebesse diariamente enorme população flutuante, inclusive de outros municípios, tanto para acessar o comércio e serviços, como para usar o sistema de transporte (estação das Barcas da Praça Arariboia, os ônibus do Terminal e os viadutos de acesso à Ponte Rio-Niterói), saturando o trânsito local e reforçando um perfil de “passagem” ao bairro.
Por sua vez, o Porto de Niterói manteve-se até a metade da década de 2000 subutilizado e seu entorno esvaziado e degradado. A partir da década de 1970 com a construção da Ponte Rio-Niterói, uma parte do cais foi tomada por aterro e viadutos de acesso das vias da cidade à ponte, limitando e complicando as atividades portuárias locais, contribuindo para acelerar a decadência do porto. A estagnação da atividade da indústria naval na década de 1980 e 1990, fez com que o Porto se limitasse as atividades de importação de trigo ao Moinho Atlântico fechado em 2001. Por sua vez, as enseadas dessa região acabaram criticamente assoreadas, com pontos onde a profundidade é de apenas 30 cm. Somente entre 2003-2006 o Porto passa a operar como terminais de apoio a atividades de produção de petróleo offshore, inclusive incorporando terrenos de sua volta – está no momento entre os 10 portos mais movimentados do país em valor agregado (dados da Secretaria Nacional Especial de Portos).
E ainda, em virtude das décadas de esvaziamento econômico da cidade, as áreas de aterro do Aterro da Praia Grande – cuja construção coincidiu com início do esvaziamento econômico, sob o pretexto de que esta seria consequência justamente de uma saturação urbana – seguiram por anos desocupadas ou subocupadas, mesmo atualmente, servindo meramente como estacionamentos improvisados. Formando uma grande área de vazio urbano.
Contraditoriamente, o Centro da cidade, carente de equipamentos culturais e áreas lazer, motivo alegado para construção do ‘Caminho’, viu com autorização da Prefeitura fechar dezenas de cinemas de rua, desaparecer áreas livres usadas como espaço de lazer e não desenvolver espaços culturais populares no aproveitamento de edifícios históricos fechados ou subutilizados.
Dezenas de edifícios históricos e icônicos da cidade, como por exemplo, o abrigo dos bondes (restaurado somente 2008 restaurado em contrapartida por um hipermercado, convertido em um centro cultural, porém no momento parcialmente fechado), o antigo Mercado Municipal (fechado há quatro décadas e em obras a ritmo lento há mais de sete anos pelo governo estadual, por fim transferido à Prefeitura e retrofitado por uma parceria pública-privada), o Palácio Arariboia (antiga sede da Prefeitura, em uma restauração que se arrasta há quase uma década), o casarão Notre Revue (Casa de Norival de Freitas – sem previsão de restauro), simplesmente estão fechados e abandonados a décadas.
A REVITALIZAÇÃO ECONÔMICA DO CENTRO
Portanto, proliferou-se durante anos de volta do dinamismo da cidade o oposto no seu Centro: casarões e sobrados abandonados, comércio fechando, praças abandonadas e ruas e calçadões mal conservados, moradores que emigravam, tudo a espera de uma “revitalização” que nunca vinha.
Essa situação abriu a região à especulação imobiliária, que aguardava incorporações a preços baixos e o momento oportuno futuro para fazer lançamentos na área, que parece que enfim chegou na região. Nos últimos dois anos surgiram vários lançamentos imobiliários justamente nessa região, embora ainda em ritmo lento, acompanhando a aparente saturação e restrições construtivas nos bairros da Zona Sul.
Assim, pode-se dizer que a área do Centro vem se tornando uma área ambicionada pelas grandes construtoras, e portanto alvo de seu controle, inclusive das intervenções públicas sobre a região, o que inclusive pode complicar, ao invés de facilitar, as medidas de revitalização. Mas a instabilidade econômica do país e a crise na atividade petroleira fluminense paralisou a arrancada de projetos imobiliários e a revitalização do Centro.
Os prédios institucionais fechados, se devidamente recuperados, mesmo a novos fins institucionais ou culturais/entretenimento, poderiam contribuir para a retomada econômica da cidade, especialmente após muitos meses de pandemia de covid-19, que obrigou a economia passar por recorrentes suspensão das atividades não essenciais.
A LISTA DE EDIFÍCIOS, SEU VALOR E POSSÍVEIS USOS
Não adianta mencionar o processo global e as perspectivas sem listar os prédios simbólicos que podem ser apontados justamente por que teriam o maior potencial nessa revitalização. Listamos os cinco mais fortes candidatos, que são eles: (1) o Palácio São Domingos, (2) a Estação Ferroviária Presidente Dutra, (3) Estação Ferroviária Santana do Maruí, (4) Ex-Instituto Fluminense de Fomento Agrícola, e (5) Casa de Norival de Freitas.
1) Palácio São Domingos:
Vista área
O Palácio que outrora abrigou a ex-Secretaria Geral do Estado e Tesouraria Pública, ex-Secretaria de Estado de Fazenda – Endereço Rua Marechal Deodoro, 30 – Centro. O Palácio São Domingos, também chamado Palácio de Niterói, é um edifício classicizante localizado no Centro de Niterói. O imóvel é uma construção de aspecto palaciano, tipicamente urbano, composto por dois corpos construídos no alinhamento do lote e interligados por um terceiro, recuado, de construção posterior.
O Palácio foi o primeiro imóvel incorporado ao patrimônio do Estado do Rio de Janeiro (1835) e tem abrigado órgãos da administração pública estadual desde 1834, alugando do espólio do imperador Dom Pedro I, então no exílio após abdicação (era sua residência de férias). Atualmente, um dos dois corpos do edifício está bem conservado, abrigando uma agência bancária, enquanto os outros dois estão em péssimo estado, com mobiliário, esquadrias e portas saqueados, contribuindo para deteriorar o ambiente do seu entorno, o começo da Rua Marechal Deodoro.
Mais recentemente, chegou abrigar repartições da Secretaria de Fazenda, transferida no início dos anos 2000 para a cidade do Rio e da Secretaria de Estado do Trabalho, que pretendia instalar uma agência de empregos e cursos profissionalizantes e um museu ligado ao tema do trabalho, mas sem efetivação do projeto. O edifício segue fechado e em acelerado processo de deterioração. Há rumores de que a Prefeitura pretende pedir ao governo do Estado a cessão para usar em projetos ligados a assistência social ou para ampliar o Restaurante Popular, que foi instalado há alguns anos em outro prédio histórico vizinho.
2) Estação Ferroviária Presidente Dutra:
A estação ferroviária fica em frente à Praça Renascença e à avenida Jansen de Melo, na Av. Feliciano Sodré. Quem passa em frente a ela apenas vê na sua fachada, em péssimo estado, a denominação de Porto de Niterói, que atua precariamente no local.
Com a construção da Ponte Rio-Niterói, nos anos 1970, com mais uma parte aterrada, que passa por cima de onde estaria a extensão dessa linha, essa estação foi desativada e os trilhos removidos, voltando a ter ponto final na estação do Maruí, que fica no bairro de Santana.
O prédio está vazio. A operadora do Porto de Niterói apenas pintou a fachada, cobriu as janelas e mantém fechado. Às vezes aparece nos jornais um projeto da prefeitura para municipalizar a estação e transformá-la num espaço cultural ou centro de exposições.
3- Estação Ferroviária Santana do Maruí (incluindo a gare e as ruínas das oficinas):
Endereço: Alameda Carlos Gomes, 96 – Barreto. A Estação foi chamada de Maruí, mas hoje é chamada de Niterói, de Barreto, de Santana, estes últimos bairros próximos que se confundem na região. Era originalmente a estação terminal da Estrada de Ferro Leopoldina Railway, deixou essa condição na década de 1930 com a inauguração da estação junto ao Porto de Niterói.
Esse edifício é tombado, e ele e as ruas em torno constituem bens sujeitos à proteção os seguintes elementos arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos, pelo Plano Diretor de 1992, em seu Artigo nº 157.
Com a desativação da General Dutra, a estação de Maruí voltou a atender os trens, agora os de subúrbio da linha que hoje é operada pela empresa Central (Companhia Estadual de Transporte e Logística), sucessora da Flumitrens (não confundir com a finada Central do Brasil). Até 2007 a estação seguiu abandonada e depredada, mas mesmo assim ali, na sua gare escura, ainda se podia pegar trens de subúrbios sem horário definido.
A linha hoje encontra-se desativada e em vários trechos, os trilhos foram removidos pelas prefeituras de São Gonçalo e Niterói. Muros foram construídos no bairro do Barreto. Alguns trechos foram revitalizados com a construção de praças e calçadões no lugar dos trilhos. Outros trechos foram favelizados com a construção de barracos e algumas estações foram invadidas e hoje são residências de famílias mais carentes. Sendo que, no futuro há a proposta de utilizar o leito desse ramal para a implantação de parte da projetada Linha 3 do Metrô Rio entre Niterói e Itaboraí.
As gares da estação ferroviária
Na década de 1990 os telhados dos galpões das oficinas ferroviárias da estação foram retirados, sob a alegação de preventivamente evitar eventual tentativa de ocupações irregulares, ampliando a degradação da edificação. Poucos anos depois, sugeriu-se a recuperação dos galpões para instalação de um espaço cultural, ou escola de artes e profissionalizante, ou espaço desportivo (similar a Vila Olímpica da Gamboa), sem nada se efetivar. Porém, as ruínas seguem sem uso.
Galpões da oficina da ferrovia
Quanto a Estação e a Gare, na década 2000 e 2010 foi anunciado que esses prédios seriam recuperados para abrigar uma ampla estação de metrô, da futura e ainda não construída Linha 3, cujo projeto consiste em uma ligação entre Niterói a Itaboraí passando por São Gonçalo. A parte da gare seria usado como pátio de manobras. Contudo, todo o conjunto segue sem uso, aguardando alguma decisão.
4-Ex-Instituto de Fomento Agrícola/ ex-Tribunal de Contas do Estado/ex-Escolas de Contas e Gestão
Edifício na Avenida Jansen de Mello, 3 – São Lourenço (divisa com o Centro, na Praça Renascença, em frente ao Porto de Niterói). Construída para abrigar o Instituto de Fomento e Economia Agrícola do Estado do Rio de Janeiro, a edificação foi projetada por Pietro Campofiorito e inaugurada em 2 de outubro de 1929.
Com cinco pavimentos, foi o primeiro edifício de grande porte construído em concreto armado em Niterói e também o primeiro a possuir elevador. Caracteriza-se por apresentar uma composição de linhas pré-modernistas, com ornatos de tardia feição eclética.
Vários outros órgãos públicos ocuparam este espaço, como o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, entre 1990 e 1995. O imóvel abrigou a sede do Espaço Cultural Conselheiro Paschoal Cittadino do Tribunal de Contas do Estado e a Escola de Contas e Gestão, ambas unidades foram transferidas para anexos do TCE-RJ no Centro do Rio.
Pessoas que trabalham na proximidade afirmam que ladrões levaram todos os aparelhos de ar refrigerado e objetos de valor, além do elevador antigo, apesar de o prédio estar localizado próximo ao quartel do 12° Batalhão da Polícia Militar e em frente à Policlínica do Exército. Roubaram até o elevador, um dos primeiros a ser instalado no estado em 1929, quando o edifício foi inaugurado.
5- Casa de Norival de Freitas (Solar Notre Revé) – Rua Maestro Felício Toledo, 474 – Centro.
A Casa Norival de Freitas, na Rua Maestro Felício Toledo, no Centro de Niterói. Segundo o Departamento de Preservação do Patrimônio Cultural (Depac) o Solar foi construído em 1921 para servir de residência de Norival de Freitas, advogado e político fluminense. O prédio apresenta-se em estilo eclético romântico.
Desapropriado pela Prefeitura em 1979, foi parcialmente destruído por incêndio em 1984. Em 1991, esta realizou obras de consolidação e atualmente o Núcleo de Restauração de Bens Culturais de Niterói se dedica ao projeto de restauração.
Atualmente a Casa está com alguns tapumes para proteção de janelas, portas e até a escada que dá acesso ao segundo andar. Os portões não possuem mais as tábuas que foram colocadas há uns meses para esconder a movimentação, provavelmente de moradores de rua que estavam no imóvel.
O casarão agora pertence a FAN e anunciou em 2019 que iria funcionar a Escola de Música Arthur Maia, em homenagem ao baixista que faleceu em dezembro de 2018. O conceito é que seja um espaço para as artes, não somente uma escola de música, além de ser sede para o Programa Aprendiz Música na Escola. Entretanto, passados mais de um ano, nada foi feito.
REFERÊNCIA
DEPAC/Niterói. Bens Tombados. Visto em: http://culturaniteroi.com.br/blog/?id=541&equ=depac
SOLAR NOTRE RÊVE (CASA NORIVAL DE FREITAS). http://culturaniteroi.com.br/blog/?id=508&equ=depac
http://culturaniteroi.com.br/blog/?id=501&equ=depac
http://culturaniteroi.com.br/blog/?id=493&equ=depac
http://livros01.livrosgratis.com.br/cp133906.pdf
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